terça-feira, 13 de outubro de 2009

Ventania

Estavam lá os quatro, vencidos pelo tempo, cada qual na sua velhice. Vinham de longe - claro, tudo fica longe quando se tem a idade que eles tem. Gosto de observá-los como um terceiro - ou quinto, não sei - reparo nos trejeitos, como cada sorriso torto forma novos desenhos nas rugas de um; como o outro, de tempo em tempo ajeita cuidadosamente o bigode que cultiva; enquanto os outros dois dividem um maço de cigarro filtro amarelo. Conversam. Entre uma pigarreada e outra riem de uma época que agora só existe em suas memórias fracas e questionáveis. Calam-se ao mesmo tempo, como se tivessem combinado, e a fumaça desenha entre os quatro uma melancolia amarga ao passo que param para ouvir a serenata nostáligca que segue silenciosa na mesa. Restam apenas as bolachas úmidas dos chopes que escorrem espumas enquanto eu os observo.

Olhando de longe, os velhos aparentemente relembram os tempos aureos, tirando sarro dessa juventude perdida. Mas os perdidos são eles. A terceira idade tinha chegado e não tinham tomado rumo na vida. Casaram-se, tiveram filhos e netos, mas não sabiam que diabos tinham ainda para fazer nesse mundo. O que pairava era a sensação de que ainda estavam por fazer algo grandioso, só não sabiam o que, nem quando. Cada um carregava em suas costas a própria cruz, em seus olhos pesados o conhecimento penoso de uma existência caótica e nos seus lábios secos e cansados de discussão, os sermões que antes proclamados com vigor, eram agora apenas inutilidades verborrágicas.

Estavam cansados, eu sei. Cansaram-se de escolher caminhos, de se apaixonarem, de discutir futebol e sexualidade, não se importavam mais se a culpa era do caos ou se o princípio era genético. Apenas agravavam suas feridas naquele silêncio perturbador, a perda da inocência, a falta de sentido, "a militância eterna". O niilismo barato já não servia mais àqueles velhos que antes achavam que podiam tudo. Mártires por excelência, hipócritas e egoístas, apreciaram a angústia por um momento, até que um deles olhou o relógio de pulso.

A despedida ainda continuava a mesma, mesmo após quarenta anos de encontros esporádicos, cada vez mais distantes um do outro. Um deve partir pois não pode se atrasar para o encontro familiar, os outros três aproveitam a deixa. Nesse momento, cada um levanta na velocidade que a coluna permite, apoiam-se nas cadeiras e um no outro. Um beijo, um abraço longo, e me vem à mente algo que Machado de Assis disse sobre o vento: "A dispersão não lhes tira a unidade, nem a inquietude a constância".

Os velhos pagam a conta e saem, me viro para minha mesa de amigos. Marcos, Rodolfo, Guilherme e eu brindamos à nossa própria sorte.