quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A chuva

- Não me lembro da última vez que tomei chuva. - indagou o garoto ao sentir o bater das gotas de chuva no corpo. A chuva trazia consigo um acolhimento que há muito tempo não sentia. Apesar da cena parecer um tanto lúgubre, um garoto na chuva sozinho sentado ao degrau da escada, não era isso que o garoto sentia. Sentia-se impetuoso, corajoso, condescendente com tudo e com todos. Como no discurso arrebatador que precede o campo de batalha, queria gritar como um leão demonstrando toda sua vitalidade, sentir o sangue correndo pelas veias.

Nunca foi de desrespeitar a obviedade das coisas, mas naquele dia sim. Havia beijado sua primeira garota, isso mudava tudo. Pensava numa frase que escutara no filme uns minutos atrás, achou que a ele encaixava-se perfeitamente, "You were meant for greatness", quiçá muito presunçoso de sua parte, filosofava sobre a vida e como havia encarado os fatos que assistia pelos próprios olhos.

Ao ligar para casa perguntando o porquê da demora do pai, voltou a lucidez. Tomou uma bronca de mãe por ter ficado na chuva, sua mãe não entenderia o que estava sentindo naquele momento, inventou uma desculpa qualquer e buscou um teto ao abrigo da chuva.

Com os pés no chão, era apenas um garoto de novo.

Mal chegara ao abrigo quando seu pai apareceu para buscá-lo. No caminho para casa, tudo o que o garoto conseguia pensar era nela, o escorrer dos dedos nas mechas de cabelo, os perfumes se misturando, a sensação dos corpos amparando-se um ao outro. Para evitar perder o que restava da excitação da chuva, era lacônico com as perguntas do pai. O pai sabia que algo havia acontecido, mas respeitou a imersão que o filho sentia. Mal sabia ele que o garoto sentia-se como um homem.

Chegou em casa, tomou o chá, fez alguns comentários do filme e foi tomar banho. Deitou na cama e tentou se lembrar do cheiro dela, não conseguiu. Cheirou a roupa, imaginou - Talvez ao beijá-la algum aroma de seu perfume tenha se prendido em minha camisa! - Não deu certo. A chuva havia tomado o lugar dos aromas daquela noite. Então o garoto pensou, tudo aquilo que passara naquela noite, iria acabar tão rapidamente como a chuva acabou com o que restava dela com ele.
- É uma pena, tudo que é bom se acaba. - pensou.