segunda-feira, 23 de março de 2009

No mais, o aniversário

Os olhos ardiam devido ao forte sol que atravessava a janela, insistiam em se fechar, se era o cansaço ou o marasmo, não sabia. Parecia voltar da escola, estranho, pois esta acabara a dois anos atrás. embora a nostalgia fosse constante, não havia saudade, apenas satisfação. O amanhã lhe parecia mais interessante, não era promissor, somente diferente.

Entre 365 possibilidades, veio ao mundo justamente neste dia. Poderia ter nascido no dia 12 de outubro, seria a eterna criança; primeiro de abril, o mentiroso nato; 25 de dezembro, o mártir da humanidade. No entanto, a aleatoriedade que rege o universo se fez presente pela segunda vez (já que mais incontáveis vezes estariam por vir) e nasceu num dia qualquer que não importaria a ninguém mais a não ser a si mesmo.

Comemoração engraçada essa, uma convenção baseada em outra, marco que não faz sentido. Quantas vezes passara em branco esta data, sem nenhum profundo sentimento de que crescera? Todos, eu diria. Claro, seus pais ficariam indignados, mas faria muito mais sentido comemorar o dia em que dera o seu primeiro beijo em uma menina, bebera da primeira cerveja, tragara do primeiro cigarro, no dia em que lera a última página de "O Apanhador no Campo de Centeio", ou mesmo no dia que aprendera a jogar truco.

Usava camisa preta em pleno calor de março, duas da tarde, como que por martírio de tais pensamentos. O suor gotejava, fazendo o papel das lágrimas que não ousavam se derramar dos olhos cerrados, sem foco. Por martírio também, não enxugava a testa, queria sentir cada gota escorrer em sua face a prova de que ainda estava vivo.

E assim vivia, em constante provação consigo mesmo, constantes dúvidas cheias de "não sei". Mas bobagem pensar que daqui dez ou vinte anos as dúvidas acabariam, que a angústia cessaria. A pedido do próprio, se um dia a angústia acabar, devo enterrá-lo gentilmente como quem cumpriu seu papel em vida.

Apesar da aparente tortura em que se encontrava, muito melhor do que um feliz aniversário era um "obrigado por existir" de suas cúmplices amorosas, estes sim, deveriam ser comemorados e ditos todos os dias, mesmo que não declarados. Com alguma pretensão e um discreto sorriso, ouvia, mesmo sem palavras, um sussurro "obrigado por existir" e lhe enchia o ego. Mesmo que a frequência com que tal frase era dita fosse mil vezes menor do que a frequência com que era esquecida, não são todos que lembram do seu aniversário, não é?

Por fim, de banho tomado e sapatos novos, juntou-se à única certeza que ainda lhe restava: a família. Tal qual a Última Ceia de DaVinci, distribuiu o bolo de limão (chocolate é coisa de criança) e já perdendo a conta, por mais um ano, registrou para a eternidade aquele momento vazio. Todos sorriam, o primogênito está ficando mais velho. Será?



No mais, obrigado a todos por exisitirem, e para mim, um feliz aniversário.