sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Poesia

É um mistério, você, que é o lado esquerdo sem ser canhota. E esse seu silêncio barulhento a respeito das coisas subentendidas, sonhando acordada e vivendo de olhos fechados, desacreditando todos os sentidos. É um mistério, você... Um mistério construindo sempre na diagonal, abolindo o horizontal monótono, destruindo o vertical que te amedronta, desenhando com baldes o caminho à frente dos seus pés mesmo sabendo que ele é impossível de ser criado de acordo com as vontades. E ainda assim você se move imperceptível entre as partes, como o percurso da luz entre objeto e reflexo.
Um mistério, você...
Você e suas sete sombras, seus passos dançados no teto que, em sua qualidade misteriosa, fazem sentido apenas àqueles a quem você resolve se mostrar. Uma vitória-régia no ceu, suportando de uma multidão os sonhos que flutuam até sua superfície, habilidosamente, sem afundar-se e perder-se no imenso espaço que a cerca e a espreita; as estrelas que tanto busca e admira e das quais tem tanto receio de tocar...
No entanto, em outros momentos, você é quieta, morna. A folha que não compreende a ausência de vento e que já não cai nem se move. De repente seu mundo fica igual ao de todos. Por um lado você se convence de que é certo, mas há o seu íntimo que pede o avesso, as coisas no chão, a chuva de lado molhando um só lado do corpo. É aí que você sorri, quando põe cores no cinza sem graça do dia de todo o mundo. E isso é seu e é lindo, sereno. É a poesia que você exerce em gestos objetivos ainda que incompreensíveis. São os versos que você tira da terra com as mãos em concha e joga entre todos, em pequenos punhados, em paz.