segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Crônica 1

Achei essa crônica perdida aqui na zona que é meu computador... Talvez seja o início efetivo dos "folhetins". Escrevi quando voltei de um filme no shopping Higienópolis com a Namorada...
Aí vai...

Centro

Era pouco antes das dez da noite e o ponto de ônibus do Minhocão estava cheio. Muitas pessoas vinham da Avenida Angélica e outras, com olhares mais cansados, faziam a última parte do trajeto metrô-ônibus. Talvez eu fosse o único lá com o pensamento livre de amarras, até mesmo sem pensamentos, ou talvez as outras pessoas que não tinham tempo de não ter pensamentos, mas algo lá me prendeu a atenção; ou reduziu a importância da paisagem ao redor?
Um dos prédios, ao lado de um estacionamento, estava encardido, pichado, mas ainda assim conseguia ser, ao menos para mim, encantador. Tinha as luzes dos apartamentos baixas, luzes quentes que me atraíam como às mariposas, aos mosquitos. Aquelas luzes me levaram até um ambiente quente como as luzes, propriedade de donos melancólicos, que haviam feito da vida nada mais do que tempo, que desistiram da vida, enfim. Devia ser isso já que o prédio transbordava melancolia. Era o típico prédio do centro da cidade, bucólico, cheio de memórias de um tempo saudoso, glorioso, de um tempo em que ele transbordava gente. Gente que ainda usava chapéu, que se espantava com velocidades altas, gente sem tanto medo.
O silêncio em minha mente se calou com o rugido feroz de uma motocicleta, rugido esse que me tragou e me trouxe de volta à realidade. O prédio não era mais saudoso, agora era mais nostálgico. Me veio à mente um verso de Vinicius de Moraes: "E essa memória anterior de mundos inexistentes...". É certo que nada descreveria melhor o que esse prédio causou em mim do que esse verso. O centro à noite, as bancas de jornal fechadas, uma sirene ao longe ou um alarme de carro, o prédio, a melancolia, tudo me traz à tona saudade de algo que não vivi, ao menos nessa vida. Me é nostálgico e misterioso. E é bom por ser misterioso.
Talvez o centro todo, não só aquele prédio, tenha vontade de viver novamente. Pude perceber uma inquietação enquanto pensava, como se a alma do prédio vibrasse e se aprumasse a qualquer sinal de admiração.
Quero, no íntimo, que todo esse mistério e nostalgia cause mais admiração do que medo, pois o centro e a cidade não merecem esse descaso; merecem mais, muito mais.