Após longa abstinência...
Tinha lá seus dezoito anos, menina de calças rasgadas compradas na loja de grife e a sua velha mochila vermelha de estudante com zíper quebrado, All Star era indispensável, às vezes listrado, às vezes preto, mas sempre, pelo menos nos dias da semana. Não se pode nunca ignorar os cabelos, castanhos cor de terra molhada, oleosos, mas nem por isso menos charmosos. Franja presa à orelha e estava pronta. Os olhos não tive tempo de notá-los, nem o pescoço ou as mãos, essas coisas que parecem essenciais a todo homem que simplesmente não me recordo. Desapercebida pela multidão, vestibulanda voltando do cursinho, ou talvez indo. Realmente não importa.
Na primeira vez a moça, nem mulher nem adolescente, estava sentada nos bancos pouco confortáveis, mas loucamente disputados do metrô da linha vermelha, leste-oeste. Todos os outros assentos do vagão estavam ocupados: senhoras, gordinhos, trabalhadores. O silêncio do cansaço imperava sobre os burburinhos fofoqueiros indistinguíveis. O portal eletrônico se fez majestoso e abriu com um estrondo de ar para que o rapaz entrasse.
Saltou sobre o vão e emergiu na atmosfera do transporte público. O anseio pelo caminho de casa o invadiu e o rapaz procurou um lugar. Acomodou-se em pé, de frente para a moça, com os braços estendidos na haste de metal e seguiu viagem.
Rapaz e moça trocaram despretensiosos olhares discretos, nenhum dos dois tinha humor para uma conversa com desconhecidos e também nada disso passava pelo turbilhão de pensamentos deles. O rapaz cantarolava dentro de sua cabeça uma música da qual só sabia o refrão e a moça; bem, vai saber o que se passa pela cabeça das mulheres.
Talvez a moça tenha notado o olhar cansado do rapaz, talvez tenha passado por situação parecida e se simpatizou com o rapaz, mas gosto de acreditar que tenha sido apenas automático, que não precise de justificativa. Com um sorriso quase infantil e bem amigável, a moça ousou pronunciar algumas palavras que certamente o rapaz não ouviu, mas entendeu o gesto. Apenas disse à moça para que não se incomodasse e que sua mochila estava bem pesada. O peso do conhecimento é algo realmente pesado. A moça desceu algumas estações depois, o rapaz tomou seu lugar e seguiu viagem.
A segunda e última vez foi a mais inesperada. O rapaz tinha uma mania que o preocupava, apesar de se autodenominar como desatento, tinha uma estranha facilidade em reconhecer rostos familiares, principalmente aqueles que encontrava no transporte público, mas nem todos, aqueles que de alguma forma eram notados por ele. Seja um bêbado atormentando os passageiros, uma mulher amamentando o filho, ou uma simpática moça que oferecesse o colo para carregar sua mochila.
De rabo de olho, aguardando a porta se abrir, o rapaz notou na janela do metrô a moça que inesperadamente retribuiu o olhar com um sorriso de rosto inclinado, fazendo a franja cair. Nem preciso dizer que a reação imediata do rapaz foi de uma inesperada alegria, mas ao entrar no vagão, nem ousou olhá-la.
O assento ao lado da moça estava livre, mas não sei bem por que, o rapaz decidiu sentar-se afastado, não muito, o suficiente para um discreto contato visual. Afinal de contas, aquilo ainda era o transporte público, não é lugar de conhecer pessoas, só bêbados conversam com os outros no metrô.
Pois é, não estava bêbado e se manteve calado por toda a viagem, a moça respeitou seu silêncio e chegou a hora de descer do vagão. Ela juntou-se ao aglomerado de pessoas ao redor da porta e pouco antes de sair, virou o rosto por cima do ombro e acenou para o rapaz, que a essa altura já cogitava saltar para fora do metrô junto da moça, nem se fosse apenas para perguntar seu nome. Apenas acenou de volta e se encostou novamente no assento. Suspirou e se apaixonou. Apaixonou-se por aquela moça das calças rasgadas intensamente até o segundo suspiro, até a próxima estação. Seguiu viagem.
Tinha lá seus dezoito anos, menina de calças rasgadas compradas na loja de grife e a sua velha mochila vermelha de estudante com zíper quebrado, All Star era indispensável, às vezes listrado, às vezes preto, mas sempre, pelo menos nos dias da semana. Não se pode nunca ignorar os cabelos, castanhos cor de terra molhada, oleosos, mas nem por isso menos charmosos. Franja presa à orelha e estava pronta. Os olhos não tive tempo de notá-los, nem o pescoço ou as mãos, essas coisas que parecem essenciais a todo homem que simplesmente não me recordo. Desapercebida pela multidão, vestibulanda voltando do cursinho, ou talvez indo. Realmente não importa.
Na primeira vez a moça, nem mulher nem adolescente, estava sentada nos bancos pouco confortáveis, mas loucamente disputados do metrô da linha vermelha, leste-oeste. Todos os outros assentos do vagão estavam ocupados: senhoras, gordinhos, trabalhadores. O silêncio do cansaço imperava sobre os burburinhos fofoqueiros indistinguíveis. O portal eletrônico se fez majestoso e abriu com um estrondo de ar para que o rapaz entrasse.
Saltou sobre o vão e emergiu na atmosfera do transporte público. O anseio pelo caminho de casa o invadiu e o rapaz procurou um lugar. Acomodou-se em pé, de frente para a moça, com os braços estendidos na haste de metal e seguiu viagem.
Rapaz e moça trocaram despretensiosos olhares discretos, nenhum dos dois tinha humor para uma conversa com desconhecidos e também nada disso passava pelo turbilhão de pensamentos deles. O rapaz cantarolava dentro de sua cabeça uma música da qual só sabia o refrão e a moça; bem, vai saber o que se passa pela cabeça das mulheres.
Talvez a moça tenha notado o olhar cansado do rapaz, talvez tenha passado por situação parecida e se simpatizou com o rapaz, mas gosto de acreditar que tenha sido apenas automático, que não precise de justificativa. Com um sorriso quase infantil e bem amigável, a moça ousou pronunciar algumas palavras que certamente o rapaz não ouviu, mas entendeu o gesto. Apenas disse à moça para que não se incomodasse e que sua mochila estava bem pesada. O peso do conhecimento é algo realmente pesado. A moça desceu algumas estações depois, o rapaz tomou seu lugar e seguiu viagem.
A segunda e última vez foi a mais inesperada. O rapaz tinha uma mania que o preocupava, apesar de se autodenominar como desatento, tinha uma estranha facilidade em reconhecer rostos familiares, principalmente aqueles que encontrava no transporte público, mas nem todos, aqueles que de alguma forma eram notados por ele. Seja um bêbado atormentando os passageiros, uma mulher amamentando o filho, ou uma simpática moça que oferecesse o colo para carregar sua mochila.
De rabo de olho, aguardando a porta se abrir, o rapaz notou na janela do metrô a moça que inesperadamente retribuiu o olhar com um sorriso de rosto inclinado, fazendo a franja cair. Nem preciso dizer que a reação imediata do rapaz foi de uma inesperada alegria, mas ao entrar no vagão, nem ousou olhá-la.
O assento ao lado da moça estava livre, mas não sei bem por que, o rapaz decidiu sentar-se afastado, não muito, o suficiente para um discreto contato visual. Afinal de contas, aquilo ainda era o transporte público, não é lugar de conhecer pessoas, só bêbados conversam com os outros no metrô.
Pois é, não estava bêbado e se manteve calado por toda a viagem, a moça respeitou seu silêncio e chegou a hora de descer do vagão. Ela juntou-se ao aglomerado de pessoas ao redor da porta e pouco antes de sair, virou o rosto por cima do ombro e acenou para o rapaz, que a essa altura já cogitava saltar para fora do metrô junto da moça, nem se fosse apenas para perguntar seu nome. Apenas acenou de volta e se encostou novamente no assento. Suspirou e se apaixonou. Apaixonou-se por aquela moça das calças rasgadas intensamente até o segundo suspiro, até a próxima estação. Seguiu viagem.
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