Começo agradecendo o convite (pensando melhor, eu me convidei...) para participar, e posto o conto que participei no concurso do meu campus e dentre 45 outros, fiquei em quarto. É meio pesado, e nada requintado... Mas com o tempo aprendemos!
O lamento do abutre
Não fosse mais um dia de sol talvez não estivesse lá. Mesmo com a aparente tranqüilidade, ele abriu suas asas, na esperança que o calor secasse suas penas. Caso pudesse murmurar, um lamento de tristeza ecoaria daquele pico. Na cabeça já pelada pelos anos, no olhar vago, distante... Já não havia mais aquela fleuma, aquela alegria de viver. Seus dias de abutre estavam chegando ao fim. A podridão já não o atraía. A carniça já não o satisfazia. A expressão reumática da pobre ave refletia isso. Esboçou um sorriso amarelo, lembrando o tempo em que dominava os céus daquele cerrado. Quando era temido pelos semelhantes e invejado também, porque não? O tempo voou, literalmente. Acomodado no esqueleto da velha pitombeira remoia a implicação que os anos de maus hábitos haviam lhe trazido.
Talvez a culpa fosse do cardápio. Sim, era o cardápio. Por que não um fígado de Prometeu? Resignou-se. Tentou afastar esse pensamento. Fez mea culpa (os abutres sempre o fazem). O ócio culinário, sabia, era o único e total responsável. Beliscou suas asas, parcialmente secas. Pelo menos o sol ainda servia... Se bem que torrava sua cabeça, devorava sua sombra, minava qualquer resistência que a outrora poderosa ave exercia. O abutre, antes de tudo era um forte. O seu Sol ardia mais, inimigo impossível de ser combatido. Trevas – talvez o desejo mais íntimo daquela ave.
Culpar o Sol já não o satisfazia – ele o culpava dia sim, dia não. Quem sabe receio. Vingança de Apolo, que negaria a um dia inabalável ave um mísero calorzinho. A culpa era do vento, só podia. Carregava a maldita areia vermelha, nunca ventava certo. As correntes sempre em desalinho, por mais hábil que fosse o vôo do abutre sempre o carregavam para o longe, para o nunca. Malditas aragens – balançou o abutre. As asas quase secas.
Se esforçou para lembrar o que mais o importunava. Os jovens. Desfilando arrogância com suas penugens petulantes, com suas fêmeas opulentas. Não havia mais abutres como antigamente. Suspirou – sim, os abutres também suspiram. Mirou a pitombeira, já morta. No seu íntimo o abutre sabia que eram parecidos, fadados às pilhas, já fracas, do tempo.
Ah, mas os abutres não se satisfazem fácil. Seu âmago queria mais. E lembrou: o homem. Serzinho mau-caráter, egocêntrico. Ardia mais que o sol, ventava mais que o vento. Por mais que fosse solitário o abutre sabia que o homem o havia deixado assim. Fora ele que levou sua família, com o maldito cospe-chumbo. Ódio! Mas, momentaneamente, refestelou-se. Uma onda de prazer invadiu o seu corpo. Sim, ele havia dado suas bicadas nos parentes do homem, também. Sabia como ninguém esperar, pacientemente, o único desfecho ao homem perdido na amplitude daquele cerrado.
Porém a culpa poderia ser dos astros. Culpar a uma coisa maior não é característica somente dos homens. Horóscopo o abutre desconhecia. Era regido pela rabugice, mesmo. Mas culpar aos astros fez o abutre se sentir bem, como a tempo não se sentia. Pudesse sorrir, sorriria. As asas já secas fizeram menção de voar. E então o abutre fechou os seus olhinhos ausentando-se da vermelhidão do cerrado, abriu suas imponentes asas e voou. Voou o mais alto que pôde. Voou para o infinito. Aonde fígados vinham em bandejas de prata. Aonde o Sol acariciava suas penas e o vento abraçava-o. Aonde os jovens eram velhos e o homem, homem.
Abraços, Rodolfo
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
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